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O dia um, o dezassete ou o trinta e dois

por Joana R. Dias, em 08.01.23

A passagem do ano, que no fundo deveria ser só mais uma continuação, é um evento traumático, assim ao nível de trabalho de parto ou exame de condução. Podia ser só piscar os olhos e aceitar o novo ano, mas não trazendo nada de novo é mais semelhante a um choque de taser como se estivéssemos a tentar roubar no Museu do Louvre. 

Evitamos pensar em resoluções porque estaríamos somente a reciclar as do ano anterior, mas ainda assim acabamos a pensar que devemos ser melhores. Comer melhor, dormir melhor, sermos mais realizados. Este ano acho que só me resta ser pior, uma vez que não comecei com o pé direito, nem com o esquerdo na verdade. Se tentasse descrever talvez tenha entrado a fazer o pino, só que de costas e meio atabalhoado. 

Já estou comodamente habituada aos pensamentos que me invadem semanas antes, é assim em cada marco que me lembra que estou mais próxima de definhar. Quando na semana anterior a psicóloga me pergunta como me sinto em relação à aproximação do Natal e lhe respondo que por muito mau que possa ser é sempre superado pelo abismo do 31, não estava a mentir nem a exagerar, mas também não achei que iria acabar essa mesma noite com o diagnóstico de louca varrida. Não foi dado por nenhum médico e, até dizem que os loucos não sabem que estão loucos, mas estou segura da minha nova condição. Daqui a uns tempos, quando for oficial, podem dizer que leram aqui primeiro. 

Após uns mojitos dei por mim a agarrar-me desesperadamente à ideia de que o chá me podia salvar. E heis que o chá não nos salva, eu sei do que falo. Quatro rooibos não me mandaram de volta à pista de dança improvisada na sala. Quanto muito ia-me reencaminhando para a casa de banho, onde, no fundo, era o melhor sítio na casa para chorar as entranhas, não sabendo ao certo o que se passava, só pensando no próximo chá. Não sei se foi o champanhe, a inflação ou o medo absurdo de morrer, mas certamente não foram as alergias, dado os Lergonix ingeridos ao longo do dia. Enquanto toda a gente partilhava stories dos convívios de fim de ano, os recaps do ano que passou e as mesas dos drinking games, eu só queria fechar uma torneira e não encontrava o raio do manípulo. 

São estranhos os polos completamente opostos em que as pessoas se encontram em determinadas situações. Algures alguém a virar uma carta com uma regra engraçada para a próxima ronda e, no outro espectro, alguém a tentar travar a todo o custo esse monstro da ansiedade. Acho que podemos começar a ameaçar as crianças que não querem comer a sopa dizendo que "se não comeres tudo vem aí a ansiedade" e surtirá mais efeito que o desactualizado bicho papão. 

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2 comentários

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s o s a 16.01.2023

por este andar a ansiedade ainda vai conhecer varios estadios ...até á banalizaçao final.
é urgente as pessoas serem inoculadas com ansiedade até para limitar outras.

Assustar as criancinhas é uma boa ideia...desde que já...pois no futuro a ansiedade virá coberta de doçura.
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Anónimo a 17.01.2023

No tempo do encravanço que era a guerra do ultramar, éramos fotografados, tipo passe, com fardas de gala para colar na caderneta militar. E se eu já era feio, fiquei com um aspecto que metia medo a um susto. Anos depois, quando o meu filho fazia birra para comer, eu ia-lhe buscar a fotografia e ameaçava: se não comeres tudo, vou chamar esta "farronca" para te levar. Era remédio santo.
Essa treta da ansiedade era mais... "apanhados pelo clima".
Hoje, ansiedade é aquela vontade enorme de mandar tudo à me#da.

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